Atenção Humanizada no SUS - Precisamos de uma Lei para o Óbvio?
- Dra. Silvâni Silva
- 5 de mai.
- 4 min de leitura
No Brasil, o tempo às vezes caminha para trás e a burocracia anda em círculos. Foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), em 29 de abril de 2025, a Lei n.º 15.126, que insere a “atenção humanizada” como mais um princípio do Sistema Único de Saúde (SUS), alterando a antiga Lei n.º 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde).

Princípios e diretrizes do SUS
Desde sua origem, a Lei n.º 8.080/1990, reconhece a saúde como um direito fundamental do ser humano, estabelecendo suas ações e serviços públicos de acordo com diretrizes constitucionais (art. 198 da Constituição Federal), e princípios como universalidade, integralidade e equidade que, de forma implícita, abrangem a ideia de humanização.
A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (Lei 8080/1990, art. 2º). Percebe-se a inexistência de omissão normativa que justifique estabelecer a “atenção humanizada” como mais um princípio no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A compreensão do artigo citado vai além da obrigação do Estado de oferecer medicamentos ou tratamentos médicos. Porquanto consiste também no direito ao bem-estar físico, social e mental. Sem atenção humanizada, os princípios elencados na versão original da norma são violados.
Diante disso, a inclusão explícita da “atenção humanizada” representa, na prática, uma declaração legal de que os princípios anteriormente consagrados não foram suficientes para assegurar um atendimento respeitoso. E é inegável que a simples inserção de mais um termo na legislação dificilmente será capaz, por si só, de reverter o histórico descaso no tratamento dado às pessoas que buscam os serviços do SUS.
Humanização por Decreto é o que faltava?
Se a própria lei fundadora do SUS, desde 1990, já reconhecia que a saúde é determinada por fatores sociais e econômicos amplos, isso, por si só, implicava a necessidade de uma abordagem humanizada.
O mais inquietante nessa nova lei é o fato de ter sido necessária. É o reconhecimento público de que o SUS, apesar de seus méritos, também se converteu em um problema crônico, complexo demais para ser resolvido e visível demais para ser ignorado.
Segundo notícia publicada no site oficial do Governo Federal em 29 de abril de 2025, intitulada “Lula sanciona lei que incorpora atenção humanizada ao SUS”:
“Com a atenção humanizada amplia-se a relação entre o profissional de saúde e o paciente, de modo a proporcionar um atendimento mais acolhedor, com mais empatia e respeito, para tornar a experiência do paciente mais confortável, aumentando a qualidade do cuidado e, com isso, as chances de cura.”
Essa redação, embora bem-intencionada, sugere que a humanização depende unicamente da postura do profissional de saúde. No entanto, a relação entre os trabalhadores do SUS e seus usuários é marcada por uma complexidade que vai muito além da conduta individual. Trata-se de um vínculo influenciado por sobrecarga de trabalho, estrutura precária, escassez de recursos e pressões institucionais, comprometendo não somente a qualidade da assistência, mas também a saúde mental dos próprios profissionais.
É fato que há falhas individuais, atitudes marcadas por descaso ou arrogância no atendimento. No entanto, responsabilizar unicamente os profissionais de saúde é ignorar um problema que é estrutural. A precariedade do SUS não se explica por comportamentos isolados, mas por uma cadeia de omissões públicas, como a ausência de investimento adequado, de condições mínimas de trabalho e de gestão comprometida com o atendimento desde a base. Assim, criar uma lei para confirmar o óbvio é reconhecer que o Estado falhou em garantir o direito à saúde do ser humano, conforme previsto no artigo 196, da Constituição Federal.
Mesmo que o novo inciso XVI, seja considerado um esforço na valorização do atendimento humanizado no Sistema Único de Saúde (SUS), perde totalmente o sentido quando representante do poder público, ao se referir ao tema, reduz o atendimento a modestos gestos protocolares. Como se constata em notícia da Rádio Senado, veiculada no site do Senado Federal, o então presidente da Casa, Davi Alcolumbre, afirmou que um simples “bom dia, boa tarde ou boa noite” já configuraria um atendimento humanizado no SUS. A gentileza é o mínimo esperado nas relações humanas, reduzir a complexidade do cuidado em saúde a uma simples saudação, é uma simplificação perigosa. Verdadeiramente, é uma ofensa a milhares de profissionais que, mesmo em condições precárias, se dedicam diariamente a acolher o ser humano em sua integralidade, conscientes de que a humanização vai muito além de cumprimentos formais, pois ela exige empatia real, escuta qualificada e compreensão das múltiplas dimensões do sofrimento.
Referências
Declaração do senador Davi Alcolumbre, em matéria da Rádio Senado, publicada em 03/04/2025. Disponível em:
Acesso em: 5 maio 2025.
BRASIL. Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 20 set. 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm Acesso em: 5 maio 2025.
BRASIL. Lei n.º 15.126, de 2025. Dispõe sobre a inclusão do princípio da humanização no atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF. [data exata da publicação quando disponível]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2025/Lei/L15126.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2015.126%2C%20DE%2028,%C3%9Anico%20de%20Sa%C3%BAde%20(SUS). Acesso em: 5 maio 2025.